domingo, novembro 14, 2010

Par de Pernas (Tiger)


Parece que de alma leve os dedos ficam leves também, da pra escrever melhor, pensar melhor. Ouvir o que geralmente não ouvimos. Parece que se fecharmos os olhos conseguimos ver melhor algumas coisas e foi aí que passei por uma situação curiosa, que gostaria de compartilhar.

É engraçado ver o que é hoje apenas mais um par de pernas que não tive o que já foi forte alvo de cobiça. De intenso desejo. Enquanto segredo eram aos meus olhos eu conseguia me prender a uma boca larga a fina, a cabelos dourados e a gestos incomuns. Digamos que alguns minutos parei para vê-la passar e até perde-la de vista eu pensei. Com toda a imaginação eu criei. Levantei sua saia o dobro de vezes que por mim passou, e com que graça passou. Perna pós perna de leveza e pressa. Pressa que quanto maior fosse, exalava em mim um perfume doce que parecia natural. Menos mal que não a toquei, não me garanto a partir daí. Se fechos os olhos me sinto subir, desde a ponta do dedo, até o seu joelho. Em um cortejo beijo sua coxa por dentro e por fora. Beijos quentes e demorados, sem precisão e sem forma, apenas tributo. Me dou ao luxo de manter os olhos fechados, sem percepção de luz. Me guio cego por uma estrada sem rumo, mas de agradável trajeto. À medida que avanço sinto sua pele mais quente e mais úmida. Sinto na língua a textura fina e frágil, superfície única e indefesa. Com as duas mãos e com força as abri com cuidado e com vigor e não teve um canto que não foi beijado. Com a tentação ao meu lado deslizei os dedos por todas as curvas presentes... E observei...

Queria ter o dom de pintá-las... colocá-las numa moldura onde somente eu as visse, um mundo a parte. São arte aos meus olhos e não me importo de ser o único em vê-las assim, aliás, seria uma honra. É uma pena que a dona de pernas tão graciosas e pequenas seja surda. Surdez voluntária. Da cintura pra cima seu corpo é cego a arte literaria e por paradoxo não imagina o que senti. Mas por mais que a cabeça seja assim, são as penas que andam e elas vieram até mim. Exploraram minhas ideias e fantasias, me deixaram perto da magia de tê-las e  me sacaram dali. Preciso esperar, ser paciente e perseverar. Que um dia há de chegar, um par de pernas só pra mim.

Gabriel Voyeur de Deus
Camino con el fuego, tias.

sexta-feira, abril 23, 2010

Com cicatrizes, mas com graça.

Eu entro na quadra pedindo e saio dela agradecendo.

Lanço na direita e olho no sentido contrario.
Pra mim é vida o que pra você é desnecessário.
Sou raro.
Eu insisto no que amo e quero ser observado.
Mostrar pra quem puder o que é um cara apaixonado.


Gabriel das Quadras.
"eu tenho um amigo que voa, xará..."

sexta-feira, abril 02, 2010

Anjos

Cada momento decisivo da minha vida foi assinado por uma mulher, tem sido uma constante e espero que siga assim. É uma pequena homenagem que faço a quem tanto tem me ajudado

Uma mulher me deu a vida e ela mesma encarregou-se de dar metade da dela por mim. Caminhou contra o sol de olhos abertos para que eu vivesse e desenvolvesse um dom. Não o de falar, mas o de tocar. Mesmo que seja tocar os dedos e converter em palavras as emoções que enchem meu peito. Dom de pensar, criar e assim poder relatar o que faz das mulheres seres tão perfeitos.

Nasci em um domingo de sol, as sete e meia da manhã, talvez daí meu sangue quente, minhas relações intensas. Minhas veias fervem só de olhá-las, quem dirá poder dedicar-lhes alguns versos, mesmo que sem pretensão. A real intenção é ter gravado na retina cada momento em que as tive por perto, por certo lembrarei do cheiro doce, da pele macia e da sensibilidade. Dos questionamentos e das respostas que em mim busquei pra seguir a diante, não obstante, admiro. Que mesmo leves como o ar que respiro, que sejam ainda lindas e fiéis. Surpreendem pela força e pela delicadeza,por chegarem nas pontas dos pés nos sonhos de homens como eu... Que privilegiado sou apenas de dividir o mesmo espaço, mesmo chão. Meu ouvido pede que cantem mais, que não cessem jamais. Suas vozes são reais porque rainhas são. Cantam a vida e me encantam quando dançam tambor.

O próprio corpo da mulher fala por si, parece feito a mão, desenhado com muito esmero e cuidado. É um templo que precisa de carinho e amor, cada detalhe precisa ser lembrado, isso é fato.

Filhas terei e ei de lhes dar nomes de flores,serão para sempre meus amores e meu orgulho, em um futuro não muito distante. E não se espante, se uma mulher salvar sua vida amanhã,amigos meus... Elas amam o que fazem e aparecem sempre em locais e horários apontados por Deus.
Nem todas as mulheres sabem a força que tem, e para essas faço questão de escrever sempre meus versos. Para as que sabem dedico toda a inspiração que ronda meu universo. Quantas mulheres entrarão ainda em minha vida não sei, mas espero que quantas sejam necessárias para voar junto delas e saber de onde vêm.


Por Dora, Izaura, Odiles, Sabrina, Gaby Benedict, Dina Di, Karran, Ellen, Lisiane, dona Helena, Lucélia, Bi, Gaby, Tatá e Jorgett.
Obrigado por deixarem minha vida mais perfumada, aquarelada e sadia.

O fogo da inspiração vem de vocês.
Gabriel de Deus

terça-feira, março 23, 2010

Até mais, Dina...

Até agora é meio dificil de acreditar, sabe. A Dina era minha amiga, quase da minha familia, embora não soubesse. Aliás, não sei se ela tinha a noção de até aonde a voz dela chegava, a mensagem dela era ouvida ou mesmo até aonde a própria vida dela era exemplo, era exposta.

É meio complicado admitir, mais ainda é sentir a falta dela. Mas ela era um anjo com uma vida terrena diga de filme. Cresci ouvindo, prestando atenção em como ela agia, escrevia....

Sem palavras, Dina. Graças a você a minha adolescencia teve várias marcas, mas de admiração, de respeito. Sempre esteve e sempre estará presente em minhas orações, não importa o que aconteça, fica firme aí que a gente segura as broncas aqui em baixo, da um alô no Sabotage, no Denner, na minha vó Dora e em mais um monte de gente.

Te amo muito, foi e será um prazer te ouvir, fica com Deus.


Gabriel de Deus está de luto e o fogo também!

domingo, março 14, 2010

Tempo Cego

PRIMEIRA PARTE, SEGUNDO ELE:

Sempre me dediquei muito ao meu trabalho, fiz tudo que pude pra me destacar, subir de cargo. Mesmo mais novo que meus concorrentes cheguei a um cargo importante em um conhecido escritório de contabilidade, que lidava sempre com grandes clientes. Essa vida competitiva me fez colocar em segundo plano uma paixão de infância, que é a fotografia. Tirar fotos foi meu grande amor até entrar na faculdade. Não me casei, embora tivesse tido diversas oportunidades. Há anos não falo com minha família, não sei se estão vivos ou mortos. Acabei me desligando deles conforme o tempo passava e assim ficamos por anos. Às vezes temo que não tenham me procurado por realmente algo ter acontecido, meus pais já eram velhos quando me formei. Inclusive no dia que me formei não me lembro de tê-los visto. Recordo-me de ter voltado para casa ao fim da cerimônia sozinho e assim ter ficado por um bom tempo. Sem festas, farras e durante dias mesmo, sem uma palavra. Sinceramente não sentia falta dessa agitação.
Há alguns anos comecei a acordar com uma leve tontura, que foi piorando com o tempo e se estendia ao longo do dia. Incomodava-me no trabalho, então fui a um médico e após alguns exames foi diagnosticada uma doença rara que afeta a visão. Dentro de pouco tempo eu estaria completamente cego e sem expectativa de voltar a enxergar. No início foi um choque. Fiquei sem dormir por semanas. Mas aos poucos fui me conformando. Meu chefe informou-me que estava trabalhando nos papéis de minha aposentadoria por invalidez e dentro de três meses eu já não trabalharia mais. Foi o segundo choque. Não tive a menor vontade de procurar minha família, até porque não saberia onde procurá-los passado todo aquele tempo.
Embora parecesse paradoxal resolvi, na minha primeira semana de aposentado, colocar uma câmera fotográfica na mochila e mudar-me para o sul, onde o inverno era rigoroso e havia uma região com muitas montanhas. Já conhecia o lugar através de fotos e fiquei com vontade de vê-las pessoalmente. Hospedei-me em um hotel perto das montanhas. Para o meu descontentamento o povo sulista era demasiadamente hospitaleiro e faziam-me perguntas o tempo todo. Perguntas que não queria responder, queria ficar calado. Mas o ambiente e o clima frio me agradaram. Conheci as montanhas e perto dessa região comprei uma pequena casa, de onde as via de frente, onde passaria o restante de minha vida. As montanhas eram mais lindas ainda pessoalmente. Eram enormes e contrastavam com o céu cinza chumbo de uma forma única. A noite, pela janela de meu quarto, conseguia ver as nuvens se alojando nos seus picos mais altos. E muitas vezes fiquei acordado até o amanhecer para ver a alvorada por detrás das nuvens. Não havia duvida, era esse o lugar. Por mais que não fosse voltar a vê-las quando velho, era defronte a um lugar assim que queria morar. E mesmo que não pudesse ver as fotos que tirava, segui fotografando aquela paisagem dia e noite, de todos os ângulos possíveis.
Passei a usar uma bengala e óculos escuros para tentar adaptar-me ao local o quanto antes, e também evitar contato o povoado. Passei a aceitar ajuda para atravessar a rua e rejeitei uma doação de um cão guia. Tirava as fotos quando sabia que estava absolutamente sozinho e sempre cada vez mais de perto das rochas que davam origem as montanhas. As poucas pessoas que tinha, mesmo que fosse um pequeno contato, julgaram que já estava cego. E cego ou não sabiam que era de pouco diálogo. Ao passar de quase um ano a cegueira não apareceu e eu já vivia mais dentro do meu personagem do que havia planejado. Tinha todos os modos e costumes de uma pessoa cega sem ser.

Estava completamente adaptado ao meu futuro estilo de vida, e em uma manhã de domingo de extremo frio, fotografava a entrada de uma pequena caverna no pé de uma das montanhas quando ouvi passos perto de mim que vinham se aproximando com rapidez. Mal tive tempo de colocar os óculos e esconder a câmera entre as rochas, quando uma menina linda de um vinte e poucos anos que aparentava ser cega acompanhada de um senhor de idade. Passaram por mim apressados em direção ao povoado. Minha atitude suspeita chamou a atenção do homem, que a aproximou de seu corpo rapidamente em um movimento de proteção, sem notar acabei seguindo-o com os olhos e ele a mim.


SEGUNDA PARTE, SEGUNDO ELA:

Perdi a visão de forma repentina há cinco anos, pouco depois que vi minha mãe morrer. Vivo com meu pai desde então numa casa enorme. Vivemos do dinheiro da aposentadoria de meu pai, que a cada ano que passa está mais doente. Tenho esperanças de que melhore, mas no fundo sei que em breve me deixará também. Na verdade ser cega não é tão ruim quanto eu pensava, não suportaria vê-lo como vi minha mãe, magra e pálida. Há coisas que é melhor não ver, embora não tenha escolha de não senti-las. Meu pai tenta preparar-me para sua morte, para que eu tenha uma independência. Leva-me diversas vezes a diferentes pontos do povoado para que eu memorize o caminho. Avisou-me sobre lugares que não devo ir, pessoas com quem não devo cruzar. Aprendi com o tempo a notar a voz das pessoas, o tom, o timbre, e as emoções que tentam disfarçar através delas. É como olhar alguém nos olhos, como ler seus pensamentos. Os pensamentos de meu velho pai entregam seu amor e zelo por mim, às vezes excessivos. Pude notar respeito que ainda tem por minha mãe também quando o ouvi negando um convite de sair com uma mulher que o reconheceu na rua. Eu estava com ele, mas ela mesmo assim o convidou. Era como se eu fosse surda ao invés de cega, mas as palavras e o tom pesaroso na voz dele ao negar o convite indicavam sinceridade. No mesmo dia íamos em direção ao povoado quando algo assustou papai, ele se aproximou de meu corpo me abraçando com o intuito de proteger-me, hesitou, mas não parou de andar. Questionei o que se passava e ele disse que um homem alto, de cabelos escuros tirava foto das montanhas e quando sentiu nossa aproximação vacilou e jogou a câmera entre as pedras e pôs seus óculos escuros, mas antes disso o olhará como tivesse sido descoberto. Pediu-me que não passasse por ali mais.

Pouco tempo depois disso papai ficou de cama e em duas semanas veio a falecer.


TERCEIRA PARTE, SEGUNDO ELE:

Ela era linda, simplesmente maravilhosa. Tinha uma beleza selvagem e singela ao mesmo tempo, difícil de explicar. Cada traço de seu rosto era doce e perfeito. O jeito como andava, mesmo agarrada ao braço do pai era gracioso. A visão mais linda que já tive desde que cheguei. Embora aparentasse a cegueira estava muito bem vestida e maquiada, como se desenhasse seu rosto todo dia de manhã. Naquele dia fui embora para casa com algo palpitando em meu peito, algo anormal. Assim fiquei por dias, tentei disfarçar, mas o rosto e corpo dela não saiam de minha cabeça. Pensei em fotografá-la e assim poder admirar suas fotos o dia inteiro. Caçaria aqueles traços por cada canto desse lugarejo. Cada segundo que a pudesse ver valeria a pena, afinal de contas não sabia se amanhã ou hoje mesmo deixaria de ver e me arrependeria certamente de não tê-la visto novamente. Saí de casa de manhã cedo com bengala, óculos e com a câmera na bolsa na esperança de vê-la. De tanto pensar nisso a imagem dela em minha mente estava ficando demasiadamente fantasiosa, minha retina precisa vê-la novamente para guardá-la. Rodei por alguns dias e nada encontrei, porém no ultimo dia de caça vi muitas pessoas rumando com lágrimas nos olhos, vi um caixão em meio às pessoas e de luto na segunda fila da procissão, cabisbaixa e chorosa, sendo guiada por uma velha senhora. Deduzi que o homem no caixão era seu pai. Era mórbido, mas ela estava linda de preto, seu cabelo era muito comprido e liso, tinha um tom avermelhado e uma franja que a deixava parecida com um anjo. Acompanhei-os até o cemitério e sol começa a se pôr quando chegamos. Algumas pessoas se aglomeravam ao redor do caixão e esperei que ela se posicionasse. Ela ficou junto á lápide há uns quatro passos do caixão. Achei uma árvore de tronco largo e galhos grandes há alguns metros dali e certifiquei-me de não estar sendo visto. Saquei a câmera e o ângulo que tinha dela era simplesmente perfeito. Fotografei suas mãos, vestidas angelicalmente com luvas pretas de renda, e seus dedos que se entrelaçavam como se orasse naquele momento. O casaco que vestia deixava o pulso à mostra até onde as luvas passavam a vestir. Sua pele tinha um tom claro e uma textura macia, sedosa. Seus ombros eram pequenos, como os de uma boneca, afinavam até o pescoço que era limpo, sem colares ou adereços. Seu queixo era fino e sua boca também. Poderia ficar ali por horas. Tinha definitivamente todos os traços delicados e bem feitos e o fato de estar triste não a tirava ou diminuía esses méritos, pelo contrário. Com o tempo familiares e amigos a cumprimentavam mais e tive que cessar as fotos. O caixão desceu e algumas pessoas iam indo embora, voltei a misturar-me com os demais e com eles fui embora, a segui para ver onde morava. Era uma pequena casa de madeira de dois andares. Do outro lado da rua pude ver que ela se negara a ir a algum lugar, que preferia ficar sozinha em casa. Fiquei seriamente tentado a subir, dar-lhe meus pêsames e poder ouvir sua voz. Não sei como e tampouco sei se me receberia. Seria pegá-la num momento de fraqueza. Ela entrou e fechou a porta, mas fiquei ali fora por alguns momentos ainda, talvez horas. Olhando para a casa fechada numa noite fria. Tomando coragem para bater a sua porta.


QUARTA PARTE, SEGUNDO ELA:


Estava arrumando-me para deitar, mesmo que não fosse conseguir dormir. O caminho do velório até o cemitério foi cansativo, parecia que não chegaríamos nunca. Cada mão que pegava em meu ombro com uma palavra de consolo parecia afundar-me mais em tristezas e recordações. Papai era um homem conhecido, nasceu ali e ali viveu a vida toda, assim como mamãe. Tive por alguns instantes a vontade de dormir e não acordar mais tamanho era o vazio em meu peito, senti-me sem um braço. Senti vontade de correr sem parar até não ter pernas. Pensei em me mudar pra bem longe, começar tudo de novo... Deitei e passei a pensar nisso. Algo deveria mudar... Levantei-me e decidida a deixar a cidade junto com o nascer do sol comecei a procurar minhas malas, mas alguém bateu à porta. Já era tarde e algo dizia que deveria abrir. Era um homem, meio sem graça, sem jeito para falar. Ouvia a voz dele acima da minha cabeça o que significava que era alto. Pediu-me desculpas por incomodar-me àquela hora da noite e dizia que era amigo de meu pai, que fora pego de surpresa com a noticia. Não o convidei para entrar e também na hora achei que ele não esperava esse convite. Falei que não me recordava de seu nome e tampouco de sua voz, embora essa, apesar de insegura, fosse muito grave e bonita. Gaguejou sem graça e disse que fazia tempo que não o via, o que justificava o fato de não saber que papai estava doente quase cinco anos. Agradeci a estranha visita e fui fechando a porta, mas ele segurou a porta e disse que se recordava de mim e que eu continuava bonita, assim como ele me imaginara estar. Essa frase da forma como foi dita ruborizou-me na hora, mas agradeci e fechei a porta. Fiquei pensando no que ele disse e tentei resgatar da memória seu nome ou voz. Passei a limpo minha memória de infância e nada. Pouco dormi nessa noite. Ao amanhecer fui ao mercado da cidade e perguntei ao dono pelo nome do homem que havia me visitado, disse-me que sim, que o conhecia e que se tratava de um homem cego de cabelos pretos que morava perto das montanhas e que há pouco deixara o local, que não deveria estar longe, ofereceu-me ajuda para encontrá-lo, mas neguei. Cego?

Como falar com ele novamente? Como poderia ser cego? Voltei para casa e sentei no sofá. Deixei as malas prontas para me mudar, ficaria em um hotel em outra cidade até repor os pensamentos no lugar. Embora não tivesse visto papai morrer sinto o cheiro dele por toda a casa e isso apenas traz lembranças que não são bem-vindas agora. Deixei as malas perto da porta e voltei a sentar. Pensativa. No fundo queria que ele voltasse a bater à minha porta e por isso esperei. A noite chegou e adormeci ali no sofá. Acordei de madrugada sentindo-me terrivelmente sozinha e chorei... Chorei o que não tinha chorado por anos... Já era de manhã quando resolvei pegar as malas e ir embora quando ouvi batidas na porta. Meu coração disparou, mas não sei por que, poderia ser ele como poderia ser algum vizinho para consolar-me. Enxuguei os olhos e abri a porta. Pude sentir os raios do sol atrás dele projetando sua sombra em mim. Ele perguntou como estava e perguntou se precisava de algo, falei que nada se passava e que estava de partida. Pedi que entrasse e ofereci um chá. Vi que o som de uma muleta se misturava a seus passos. Notei que tateava os moveis a procura de onde sentar-se. Questionei há quanto tempo era cego...

QUINTA PARTE, SEGUNDO ELE:


Respondi que era cego há pouco tempo, devido a uma doença. Falamos um pouco sobre essa coincidência e sobre outras coisas. Entre um assunto e outro fazia perguntas para tentar se lembrar de mim, mas disse apenas que era conhecido de seu pai e que havia passado um tempo fora. Mesmo através do óculos escuros era impossível não notar sua rara beleza e delicadeza. Tinha uma casa muito bem organizada, limpa e estrategicamente montada para ela. Contou-me que estava de partida para outra cidade, que precisava mudar de ares, porém não com muita segurança. Num impulso ofereci-me para ir junto. Ela riu como se gostasse da idéia, mas disse que eu deveria ter família, mulher, filhos. Disse que não, que era um cego solitário como ela e que um recomeço ao seu lado seria perfeito para mim. Ela estava sem óculos, pude ver que tinha olhos castanhos claros e que brilhavam muito, se eu não soubesse que não enxerga não adivinharia nunca. Em uma situação normal acho que me olharia nos olhos, porque era o mesmo que eu fazia com ela. Então pediu que dissesse algo... Segurava a caneca de chá de forma inquieta, esperando que eu tomasse a frente da situação. Segurei sua mão, toquei seu rosto e a beijei. Tocar aqueles lábios foi a coisa mais incrível que já havia feito. Disse-lhe que sim, que gostaria de ir junto para outra cidade e assim o foi. Em uma semana já estávamos morando juntos bem longe dali.

Fechei dois anos à espera da cegueira que graças a Deus não apareceu. Talvez a única coisa que me agradava mais que ficar com ela era ver seus movimentos, como andava pela casa, a expressão que seu rosto trazia. Montamos tudo conforme era necessário, eu cozinhava na maioria das vezes e ela me perguntava como fazia sem enxergar, eu desconversava, disse que tive um restaurante onde morava antes. Ela quis contratar uma empregada para fazer os demais afazeres e fui contra, afinal estávamos nos arranjando bem daquela forma. Era um prazer viver ao seu lado e tudo estava perfeito.

Tínhamos um balanço nos fundos que ela gostava muito, ficava perto de um pequeno jardim que ela cuidava e que exalava um aroma doce e suave. Gostava de ficar ali por horas. Numa tarde de outono eu observava aquela cena quando decidi registrá-la. A iluminação natural estava ótima e não poderia ser melhor, sem que me ouvisse ou sentisse tirei diversas fotos, que mais tarde revelaria num quarto aos fundos que mantive fechado a chave. Fotografá-la era mais uma forma de mantê-la mais viva em minha memória. Entramos, jantamos e deixei que fosse tomar banho. Vi quando tirava sua roupa com leveza. Saquei novamente a câmera e fotografei novamente aquela mulher fantástica enquanto tocava cada parte de seu corpo de forma intima e delicada enquanto a água quente a acariciava e levava a espuma embora. Quando terminou guardei a câmera em uma caixa que ficava no alto do guarda roupas onde ficava também a chave do quartinho, que não era um local de fácil acesso para ela.

No dia seguinte fui ao mercado sentindo-me culpado... Comprei ingredientes para fazer a sua comida favorita e também uma bebida. Encontrei a casa no mais absoluto silêncio. Ela dormia como um anjo no sofá e seria um pecado acordá-la, então fui revelar as fotos no quartinho dos fundos. Revelei mais de cinqüenta fotos suas e todas eram maravilhosas, peguei um copo com rum e fiquei trancado no quarto olhando detalhadamente cada uma delas... Por horas...
Dei por mim quando ela disse meu nome quase na porta do quartinho, quase me matando de susto, perguntou o que havia e eu disse que nada, estava apenas tomando um pouco de rum, mas ela notou meu nervosismo e perguntou sobre aquele quarto que eu havia dito que estava com a porta emperrada, respondi que tinha conseguido abri-lo e que não tinha nada além de uma bancada com algumas bacias e um varal. Ela ficou quieta depois daquilo e quase muda por uns dias. Senti-me culpado por ter mentido, não só dessa vez, mas por todas as outras... Para piorar no dia seguinte senti a visão um pouco embaçada e fiquei desesperado! Justo agora a cegueira apareceria. Fiquei alterado por uns dias, mas ela não perguntou o que havia acontecido. Não dormia a noite com medo de acordar completamente cego no dia seguinte, mas não resisti e dormi. A fatalidade veio a acontecer.


SEXTA PARTE, SEGUNDO ELA:


Havia sem duvidas algo de estranho acontecendo em minha casa e eu não sabia o que era. Depois do fato da descoberta do quarto dos fundos ele mudou muito, anda calado e tenho tentado saber o que se passa. Ele estava dormindo muito pouco, até que um dia despertou completamente assustado, sua pele estava gelada e ele estava muito nervoso. Disse que chamaria um médico e ele disse que não precisava, que apenas tinha tido um sonho ruim. Saiu a andar pela casa tropeçando em praticamente tudo, caiu algumas vezes da escada, queimou-se na cozinha e mesmo assim seguia contra contratarmos uma empregada. Flagrei-o chorando sentado como uma criança um dia de manhã em frente ao quartinho dos fundos. Questionei o que afinal estava acontecendo e ele nada conseguiu dizer. Sentei junto a ele e ali ficamos abraçados por algumas horas, ele parecia pedir socorro e não sabia como ajudá-lo. Comia pouco e passou a emagrecer, se negava a ir ao medico ou a receber a visita de um, por vezes dizia que me amava muito como se fosse prosseguir e contar algo, mas calava ou o choro o impedia. À noite na cama, um pouco mais calmo, após alguns carinhos disse-me coisas lindas que nunca havia dito antes, a maioria delas eram agradecimentos por ser alguém especial em sua vida e que nunca tinha tido alguém assim. Depois de muitas noites em claro ele dormiu bem novamente. Mas para a minha surpresa, pela manhã eu abri os olhos e vi um clarão, fechei-os novamente e abri bem vagarosamente. Era um lindo raio de sol que entrava casa adentro através da minha janela. A visão começou muito embaçada, mas aos poucos foi ficando nítida. Entrei em êxtase, estava voltando a ver, poderia ver tudo novamente. Acordei-o e contei que podia ver novamente, embora meus olhos doessem um pouco e pra minha surpresa ele se enfureceu, me questionou, pensou que estava zombando de sua cegueira, disse que não, que era lindo, depois de muito tempo estava vendo tudo novamente, falei de como ele era mais bonito que eu pensava e ele começou a gritar. Levantou sozinho e tentou sair, mas caiu em frente à porta do quarto. Sentia-me tonta, mas mesmo assim tentei ajudá-lo, ele me empurrou, disse que não precisava de ajuda. Comecei a chorar também, não sei se de alegria ou de tristeza. Recusou-se a falar comigo o dia todo com uma fúria no rosto.
Olhei pela janela e o vi no balanço onde me sentava todas as tardes, vi o jardim que eu cuidava com todo amor e carinho, era primavera e ele estava magnífico. Com orquídeas e margaridas, pensei que há anos não via uma flor, não via cores, não via o céu. Foram anos e mais anos sentindo apenas o calor do sol na minha pele e agora ele estava bem ali acima de mim. Exatamente como eu me recordava dele. Olhei-me no espelho e enchi novamente os olhos d’água. Estava dez anos mais velha, mas poder ver meu rosto outra vez é algo que não há tempo que pague. Vi um vestido azul lindo que ele havia me dado quando chegamos aqui e as demais roupas que usava, meu cabelo continuava como eu imaginava, era mágico. Mas não tínhamos o costume de guardar nada no alto dos móveis e uma caixa de sapatos me chamou a atenção em cima do guarda roupas. Para o meu espanto havia nela uma câmera fotográfica profissional e pelo manuseio não estava desativada há muito tempo. Junto a isso encontrei uma chave... Fiquei estática por alguns instantes, que se passara ali? Tremendo muito fui diretamente ao quartinho rezando que aquela porta não abrisse, mas ela abriu. Dei logo de cara com muitas fotos minhas penduradas por todos os lados, fotos que não quero voltar a ver e que devido o tamanho da mágoa seriam o único motivo pelo qual eu gostaria de perder a visão novamente...

SÉTIMA PARTE, SEGUNDO ELE:

Aquilo não poderia estar acontecendo, era um pesadelo... Sentado aqui não tenho forças para levantar-me e tenho vergonha de pedir algo a ela. Estou pagando um preço alto por tudo que fiz, mas não fiz por mal, eu juro. Mas pouco importa o que eu jure ou não. Eu no lugar dela me deixaria apodrecer aqui nesse balanço onde nem chorar eu consigo mais, nem isso me é permitido. Estou fadado a carregar o peso da culpa pro resto da vida e mesmo que ela me perdoe eu não permitirei, não o mereço. Eu não mereço falar uma palavra sequer. O certo é que daria tudo para vê-la novamente, não posso esquecer seu rosto...


OITAVA E ÚLTIMA PARTE, SEGUNDO ELA:

...mas os olhos que choram são os mesmo que vêem e os mesmos que se emocionam. Olhei novamente pela janela e o vi lá sentado, com os olhos bem abertos em direção ao céu, tentando ver alguma coisa, talvez o raio de sol que vi. Ele tenta chorar, mas não consegue, parece que já sabe o que acabei de descobrir e está destinado a viver com isso.

Peguei a câmera, tranquei o quartinho à chave, os devolvi para a caixa de sapatos e coloquei tudo em seu devido lugar novamente. Algum tempo se passou e ele não falou mais nada, nunca mais, mas tentou enterrar a caixa e a chave no quintal. Em um ataque de solidão desenterrou-a e ficou horas com a câmera na mão, e por vezes abre a porta do quartinho e coloca as fotos bem diante dos olhos como se ainda as pudesse ver. Exatamente como se eu não estivesse ali.


Fim!!!

Gabriel de Deus / Pássaro
Fire forever!!!

sábado, fevereiro 27, 2010

Pedro Mão Fina

Imagine você qualquer cidade pequena de clima bucólico e rústico há muito, muito, muito tempo atrás. Bem ao sul há uma fazenda, muito bem cuidada. Nesse mesmo espaço há mais tempo atrás ainda chegou a comportar duas fazendas. O dono de uma se endividou e acabou por vender sua parte ao dono do atual espaço por um preço irrisório e passou a ser peão numa terra em que já havia sido sua. O atual dono casou-se e teve duas filhas, uma muito bela e uma nem tanto, que atendia pelo nome de Frederica. O chefe dos peões, que antigamente era o dono de metade daquele imenso lugar também teve filhos. Um belo e trabalhador e outro apenas trabalhador, que atendia por Pedro, ou Mão Fina, adjetivo esse que ele odiava só de ouvir. Apelido dado pelo fato de ter uma mão sem calos, por vezes fraca. Que não era firme no aperto de mão e que dava a impressão que o moço não era chegado a trabalhos pesados. Fato esse reforçado devido a não ser muito prendado em serviços manuais era maio desengonçado. Seu irmão, pelo contrário tinha ombros largos, pernas e voz grossas, além de um aperto de mão que mais parecia um prensa.

Os rapazes e as moças foram criados praticamente juntos, apesar da relação patrão e empregados e foram crescendo. Rica, que é como chamaremos a segunda filha do Patrão, era muito tímida, por vezes parecia muda, enquanto Mão Fina, apesar de não ter controle sobre sua língua, fosse o peão mais falante de todos. E aos poucos começou a olhar com outros olhos para Rica, que de vez em quando retribuía os olhares. O patrão tinha total confiança nos rapazes e no serviço feito. Porém numa manhã de domingo chamou o chefe dos Peões e disse:

- Seus filhos estão grandes, não? Cresceram rápido...
- Cresceram, sim, senhor... Tão bem grande os moço...
- Eles lhe ajudam parelho no trabalho?
- Sim, nem tem porque não, senhor... É a vida que sobrou, né?
- Pois bem, com que idade Mão Fina está?
- Ora, senhor, com todo respeito, o nome do rapaz é Pedro... Ele num gosta muito de ser chamado assim.
- Tudo bem, tudo bem... Mas com que idade ele está?
- Com a mesma idade que eu e o senhor nos casamos e compramos essas terras...
- Outro dia o vi trabalhando e não pude deixar de notar que suas mãos ainda não tem calos... São fracas!
- O menino ta em fase de crescer, vamos aguardar
- Apenas observei, compadre.... Ele já é assim há um bom tempo, dê mais trabalho a ele, quero ver a mão dele assim como a do irmão. Peão de Mão Fina não é bem falado. Digo isso em respeito a você, se fosse qualquer outro eu já mandaria embora.
- Mas o rapaz trabalha senhor, se esforça. Mas tudo bem, vou pedir que capine mais um pouco então.
- Assim espero.

O pai fica desenxabido e procura o filho para uma conversa. Ao longe vê o primeiro filho ajudando Rica a trazer os livros de escola. Do outro lado da fazenda, observando a mesma cena debaixo de uma árvore estava Pedro, o Mão Fina. Pedro não sabia ler, as únicas com direito ao ensino ali eram exatamente as filhas do patrão. Mas a julgar pelos olhos dele para a cena estava certamente curioso pelos livros, mas não mais atraído que por Rica, que ruborava a cada olhada do moço.

Alguns dias se passaram e com eles muitas idéias na cabeça de Pedro, como se aproximar da moça ou mesmo ser notado da forma que ele queria? Seu pai havia pedido que ele fosse até a casa do patrão para pedir a chave do estábulo. Viu a chance perfeita de vê-la, então foi confiante, porém nervoso. Chegado à sala vê a mãe da moça que lhe estende a mão e lhe dá bom dia, inquieto ele estende a mão fina da direita e a cumprimenta, pede a chave e enquanto aguarda corre os olhos por todo o local. Vê Frederica sentada na sala ao lado lendo de forma compenetrada um livro de capa grossa e azul. Fica curioso e na ameaça de dar um passo a chave lhe é entregue pela mãe da moça. Ele volta animado, achou já ter visto um livro em sua casa, mas não se recorda bem ao certo. Pôs-se a procurá-lo em casa, mas nada encontrou. Resolveu falar com seu pai:

- Pai, uma vez vi um livro aqui em casa, o senhor sabe onde ta?
- Pedro, bom ter tempo de falar, quero falar-te uma coisa.
- Ué, pai, que se passa?
- Pedro, outro dia o patrão veio aqui falar-me sobre você, quer que lhe dê mais trabalho
- Mais? Mas eu o senhor e o mano já se acabemo nessa terra e...
- Eu sei, mas é pra ver se suas mãos engrossam... Sua voz também é fina e não deveria ser mais... Com sua idade eu...
- Ara, já sei, já sei... Com minha idade já tinha voz de homem... Mas o que eu faço com a voz? Vou capinar pra engrossar também?
- Não seja malcriado. Talvez se falar menos mal criações ela engrosse. Amanha você vai capinar a sua parte e a parte do seu irmão, como o patrão mandou e sem choradeiras...

O menino saiu dali um tanto quanto cabisbaixo, talvez não mais porque ao longe viu Frederica na janela. Olhando ao longe, sem fixar os olhos em nada. Parecia descansar da leitura. Como o quarto dela era no segundo andar e a casa era azul, o que acabava se misturando com o céu, de onde Pedro olhava ela parecia voar. Logo atrás da casa, dando a impressão que estava logo atrás mesmo estava o sol. Quase se pondo. Mas ele parecia correr e aquela cena não duraria muito tempo, valeria a pena olhá-la mais um pouco. Valeria a pena para de respirar se fosse o caso. Pedro foi estendendo o braço na direção de Frederica e esse movimento certamente seria notado por ela, mas sua irmã apareceu ao lado e a pediu que fechasse a janela, encerrando a paisagem. Pedro baixou o braço e viu que o sol já tinha ido. Bastou-lhe aguardar a manhã de trabalho duro.

Sem demoras o dia nasceu, e o mesmo sol que lhe dera um presente na tarde passada viera agora lhe trazer o inicio de algo árduo. Levantou-se junto com seu pai e seu irmão como o de costume e foi encontrar os outros peões. Migrou sozinho e calado para o terreno que preparava todos os dias, mas que agora parecia ter dobrado de tamanho. Para todo o lado que olhasse havia apenas terra e mato e mal conseguia ver a ponta mais alta da casa de Frederica. O sol estava forte, e a cada enxadada que dava o fazia com força e um pouco de raiva. Para ver se os malditos calos cresciam logo.
Ao fim da manhã havia terminado metade do campo. Com as mãos vermelhas sentou a mesa. Mais dolorido do que orgulhoso das mesmas, é verdade. Mas quieto. Seu pai observava tudo com a mesma quietude, assim como seu irmão.
Dirigia-se para a retomada do trabalho quando viu que debaixo de uma árvore, um tanto distante, descansava Rica com seu livro a tira colo. Ela ficaria no seu campo de visão e estava de bom tamanho para aquele dia desgastante. A cada enxada dava uma olhada na moça que retribuía na mesma intensidade. Mas lá pelas tantas Pedro viu que estava sendo observado pelo patrão também e mais que isso viu que o mesmo se aproximava bem lentamente. Automaticamente aumentou as enxadadas e diminuiu os cuidados à moça.
O patrão se aproximou e disse calmamente:

- Se um peão de mão fina não serve pra trabalhar nas minhas terras o que te faz pensar que serve pra casar com minha filha?
Assustado Pedro respondeu:
- Eu to só trabalhando, senhor, longe de mim quer...
- Eu não sou cego, filho; respondeu já exaltado o patrão, é normal na sua idade cuidar as moças, mas é normal também que trabalhe e tenha calo nas mãos... Se não pode apertar minha mão como um homem como vai cuidar de minha filha? Vai deixar fazerem ela de gato e sapato? Hã?
Pedro ficou nervoso e começou a gaguejar. Deixou cair a enxada sobre o pé e se cortou e de tudo isso somado começou a chorar...
- Mais essa ainda? Um chorão? Vou falar com seu pai, não quero mais você aqui, vou trocá-lo por um peão de verdade!

Dito isso e dado as costas o patrão se vai e logo mais Pedro também iria... Seu pai tentou argumentar dizendo que Pedro trabalharia de graça até que engrossasse a voz e fosse um home de verdade, mas não adiantou. Ele queria Pedrinho fora dali até a o amanhecer... A noite não demorou a chegar e a essas alturas todos na fazenda já sabiam de tudo. Apesar de ser fraco aos serviços duros Pedro era um menino encantador, curioso, simples, inquieto e singelo. Frederica suspeitava de todas essas qualidades e todas lhe eram bem-vindas, porém não tinham mesmo uma aproximação para confirmá-las. O que chegava ao seu ouvido era que Pedro tinha mãos finas e não era dado ao trabalho. Mas algo lhe dizia ao pé do ouvido que não era verdade. Abriu a janela e viu ao longe na casa de Pedro a luz do lampião acesso e resolveu descer. Sorrateiramente atravessou o gramado e se pôs de baixo da janela a ouvir. Ouviu o choro da mãe de Pedro e as frases do pai dizendo que talvez na rua aprenda algo e volte para casa como um homem. Pode ouvir seu irmão se despedindo também.

Pedrinho saiu sozinho pela porta e foi em direção ao portão da saída cabisbaixo e muito triste. Com um assovio foi chamado por Frederica e quando notou sua presença atrás de uma árvore chegou a cair, espantado, como se tivesse visto um fantasma.

-Você aqui?
- Sim, o que aconteceu afinal porque te mandarem embora? Levante-se...
- Seu pai acha que não trabalho bem porque tenho mãos finas e não tenho voz grossa, acha perda de tempo me manter aqui e que sozinho na rua vou aprender a ser um homem de verdade...
- Meu pai é um grosso.
- Seu pai não deixa de estar certo, como vou proteger você e sustentá-la se não consigo apertar a mão dele?
- Pretendia me sustentar? Perguntou ela envergonhada...
- É... bem... Você sabe, eu...

Ela riu, lisonjeada e respondeu:

- Mas você não pode ficar na rua... Conheço um galpão perto da minha escola e você pode ficar lá uns dias, eu pego algo escondido e levo pra você comer...
- Mas não posso ficar lá para sempre...
- Só até você achar algo melhor, por favor... Vou sentir-me culpada se for assim e nunca mais voltar...
- Tudo bem...

Pedro instalou-se no tal galpão e ali esperava a comida que a menina lhe trazia nos intervalos. Certo dia ela apareceu com um livro nas mãos e ele questionou:

- Que tanto tem nesses livros que você carrega? O que são?
- Depende, esse é de matemática, sabe o que é?
- Não... Respondeu ele encabulado.
- É a ciência que estuda os números!
- Hum... Disse ele como quem não tivesse entendido nada...
- Há outros também de escritores famosos... Você sabe ler?
- Não, não sei não...
- Gostaria de aprender?
- Não, não sou pra isso não... Se eu tiver mão fina, voz fina e perder meu tempo aprendendo e ler meu pai me mata depois...
- Não seja bobo, sabendo ler você pode escrever uma carta para o seu pai depois, dizendo que esta bem, que esta trabalhando...
- Mas meu pai não sabe ler, ele...
- Ah, eu leio pra ele a carta... Você precisa saber ler e escrever, sim. Ponto final.

Pedro, embora contrariado obedeceu a moça, afinal era ela quem lhe trazia comida e sem ela era bem possível que ele já tivesse morrido de fome. Nos curtos intervalos que tinha ela lavava algumas frutas, pão e um livro, onde tentava explicar como as letras se uniam, formavam sons, e como formavam palavras. Frases, textos. Levou inclusive um pequeno quadro, onde ensinava melhor. Pedro já conseguia ler algumas poucas palavras e conseguiu também uma vaga de ajudante do porteiro da escola. Não tinha condições de pagar pelas aulas, então dali observava tudo que podia. Agradava-lhe muito a postura de um dos professores de Frederica, um homem distinto, alto, magro, com cara de intelectual. Concluiu que alguém assim certamente sabia ler e fazer muitas outras coisas pediu que Rica lhe ensinasse tudo que podia e a moça com certeza não se negou, fazia aquilo com prazer e foi vendo também que Pedro era muito inteligente. Pegava o conteúdo ensinado com facilidade. Em poucos meses mais, Pedro escreveu à sua família a primeira carta, com as mesmas mãos finas que um dia lhe fizerem ser expulso da fazenda. Rica lia em pé e em voz alta à família do menino poucas palavras, porém escritas por um pulso orgulhoso. O pai custou a se entregar e chorar, mas uma lagrima insistiu em cair e o denunciou. Na carta o menino agradecia ao pai pelas lições e que estava aprendendo a ser um homem, tirando a parte que envolvia Frederica contou tudo, sobre o trabalho junto ao porteiro e sobre o professor que admirava.
Foi uma comoção sem fim por parte da família, e intimamente por parte da moça também.

O ano letivo dela estava no fim, ficaria fadada a não ver Pedro por um tempo. Os dois criaram um vinculo muito belo e raro na maioria dos casais ditos “normais”. O da admiração. Ela o admirava pela vontade de saber e a entrega a tal. Ele a admirava pela dedicação e sabedoria, e porque não pela paciência. Afinal um amor não nasce de uma hora para a outra, mesmo que esteja predestinado a acontecer. Pedro sentia algo em seu peito por ela que não era mais capaz de conter, algo que precisava sair, que queimava seus peito e suas veias. Algo que correu em seu corpo por anos, talvez mais tempo que ele se considere um homem de verdade. Sentia algo que se não fosse dito ficaria trancado em sua garganta para sempre...

Ela viria pela ultima vez visitá-lo no ano na segunda-feira e era sexta. Pôs-se a escrever como um faminto devora um prato de comida. Comida por sinal que não sentiu falta nesse tempo. Tinha apenas um lampião como companheiro, visto que o porteiro da escola não ficava ali aos fins de semana. Não conhecia muitas palavras e não era necessário. Seu amor era puro e simples, palavras sofisticadas seriam mal vindas.

Frederica saiu de casa pesarosa por ser o ultimo dia do ano, que passara rápido, mas tinha sido o mais gratificante de sua vida. Tinha ela também um amor guardado no peito, amor que não poderia, embora quisesse, gritá-lo aos quatro ventos ou era capaz de ser expulsa de casa também. Um amor que conviveu quase que diariamente de forma muda durante a maioria do tempo, mas que em tempo faria o coração pulsar mais forte que qualquer aperto de mão. Pensando nisso ela chegou à escola, onde viu Pedro Mão Fina exausto sobre a palha empunhando um papel. Assustada ela questionou o que havia se passado. Com uma mão cheia de calos ele acariciou seu rosto e lendo respondeu com uma voz grave:

Sempre grato a ti eu serei por mais que o sol me castigue depois de vê-la voar.
Mesmo que exista mais palavras no mundo que eu possa estrelas contar.
Elas não serão suficientes para expressar o meu amor por ti, bela Frederica.
As palavras que me ensinaste serão as que eu sempre lembrarei.
As que aprendi sem ter que soletrar.
Escrevi dias a fio para agradecer-te e acabei por minhas mãos calejar.
E digo que nada no mundo me deu mais prazer, que aprender a te amar...



Fim!!!

Gabriel de Deus
El fuego volvió a visitarme, tio :O)

domingo, janeiro 31, 2010

Graças a você!

Oh,inspiração, minha inspiração. Meu anjo da guarda, minha vida. Desde quando não me chamava Gabriel você me acompanha.

Ajudou-me quando passei frio, fome e quando disso morri.
Quando fui uma pessoa boa e quando fui uma pessoa ruim.

Você vem e me diz coisas tão bonitas... Sempre quis me declarar pra você.
Gosto da forma que você chega, de mansinho, devagarzinho... e em pouco tempo não penso em outra coisa, até escrever.

Posso não te ver, e no fundo nem preciso. Sei que apesar de te imaginar tricolor, a inspiração não deve ter cor. Mas sei que é grande pra acompanhar tanta gente, tanta gente diferente.
Agradeço-te pelos amigos que agora se falam, por acompanhar os que estão em Curitiba, os que estão em Imbituba, em Porto Alegre e que, o mais importante de tudo, os que estarão sempre no nosso coração.

Obrigado por me apresentar outro amigo de todas as horas, o rap. Por acompanhar o Grêmio de 95, Mano Brown, Familia Sarará, Baltazar e a minha mãe que é a tua irmã gêmea encarnada. Gabi, Robson, Kim e Jorgett.

Se em vão mulheres batem à porta, não abrirei. Ficarei sozinho até que me aponte àquela que seguirá conosco.

Entrego-te minhas mãos de olhos fechados e meu coração como fonte. Deus te enviou em forma de fogo pra correr no meu sangue. Essa energia é clara e a vejo como eterna. Ajudarei aos que não te sentem e não te tocam ainda.
São esses que duvidam da existência do ar por não o verem. Há também quem não te veja ou sinta entre os dedos, mas também há os cegos de verdade.

Vejo-te como o vento, que é o ar que precisa ser visto e por isso entra em movimento. Não cansa até que bagunce seu cabelo e faça vc se mover.

O mal não me excita, o mal não me toca. Eu tenho a proteção de Deus na minha porta.

De minha parte, por hoje, findo esse texto. Com um sorriso no rosto porque sei que vai estar amanhã aqui quando eu acordar seja que hora for. Levará-me aos céus durante o sono, pegando-me pela mão, você e o Senhor.

La Inspiración camina com dios e juntos corren por mis venas, tios...

Gabriel del Fuego

sábado, janeiro 30, 2010

Correções...

Durante toda a semana marquei um horário pra voltar a correr e liberar esse caminhão de estresse que me incomodou nessas ultimas semans, mas sempre acontecia algo, tipo chuva, dor de cabeça, dor nos pés, etc. Quando acordei hoje de manhã e vi aquele dia lindo que fazia pensei que nada iria me impedir de correr, nada. Trabalhei as energias e como tinha acordado cedo fui dormir. Programei o telefone para despertar as 17:30 e as 17:29 acordei com o barulho da chuva que caia, e diga-se de passagem não era pouca. Pensei quase instantaneamente que não podia estar chovendo, me chateei, mas no mesmo minuto vi que entre a chuva haviam raios de sol e me recordei que quando uma meta é estipulada temos que fazer alguns sacrificios... Coloquei meus tênis e comecei a me alongar pra correr, independente de como o tempo se apresentasse, embora meio receioso de sair. Orei baixinho, botei uma musica pra tocar, que inclusive é a mesma que abre o blog, minha primeira postagem, chamada O Nascer do Sol... Me inspirei e saí. Com a música alta não ouvi que a chuva havia parado e o sol se fazia notavel por completo agora. O sol tratou de secar as ruas por onde corri também. O trajeto estava desenhado, como se nenhuma gota de agua tivesse caído ali. Deus abençoe o sol, meu anjo da guarda e meu trajeto. Corri cerca de oito quilometros literalmente agradecendo aos céus...

El sol tambien camina conmigo, tios... :)